DALCROZE e a Euritmia
Aos 27 anos de idade, como professor no Conservatório de Música de Genebra e
já então um compositor reconhecido, Emile Jaques-Dalcroze constatou que os
estudantes não conseguiam ouvir (pela escuta interna ou mental) a música que
viam escrita na partitura impressa, e que estes mesmos estudantes executavam o
que liam de uma forma mecânica e pouco musical. Estas observações levaram
Jaques-Dalcroze a compreender que faltava aos estudantes a coordenação entre
olhos, ouvidos, mente e corpo necessária para aprender o repertório - e
principalmente para tocar bem. Assim, percebeu que o primeiro instrumento
musical que se deveria treinar era o corpo. Isto foi em 1887. Em meados do
século XX diversas pesquisas confirmaram estas idéias: a kinestesia ( de kines =
movimento, thesia = consciência) é de fato o sexto sentido. Na infância, todos
os sentidos recebem informações da kinestesia - por isso é que as crianças estão
sempre se movimentando: estão explorando o mundo e constuindo os “mapas” mentais
que serão usados pelo resto da vida.
Euritmia significa literalmente “bom ritmo” (de eu = bom, rhythm = fluxo, rio
ou movimento). A euritmia de Dalcroze estuda todos os elementos da música
através do movimento, partindo de três pressupostos básicos:
- Todos os elementos da música podem ser experimentados (vivenciados) através
do movimento.
- Todo som musical começa com um movimento - portanto o corpo, que faz os
sons, é o primeiro instrumento musical a ser treinado.
- Há um gesto para cada som, e um som para cada gesto. Cada um dos elementos
musicais - acentuação, fraseado, dinâmica, pulso, andamento, métrica - pode ser
estudado através do movimento.
Muita gente pensa, equivocadamente, que a Euritmia é uma espécie de dança, ou
de ensino de movimentos bonitos. Na verdade, os movimentos usados na Euritmia
são improvisados pelos próprios alunos, e não propostos pelo professor. A dança
é uma arte em si mesma; a euritmia é um meio para se atingir a plena
musicalidade. O professor que usa a metodologia de Dalcroze costuma pedir aos
alunos: “Mostrem-me o que vocês estão ouvindo”, em vez de “Digam-me o que vocês
estão ouvindo”. Como a música é arte não verbal, é este universo sem palavras
que deve ser explorado durante as aulas e workshops. Há muita atividade física,
muito movimento enquanto se ouve a música tocada pelo professor (geralmente
improvisando ao piano). Nestes jogos e brincadeiras rítmicas os alunos se
envolvem e aprendem a aplicar, nas aulas e nas suas performances, os conceitos
ali vivenciados. Sempre que possível usam a demonstração ao invés da narrativa
oral.
A mesma idéia se aplica à formação de professores para o método: “Tentar
aprender o método Dalcroze somente através da leitura é o mesmo que tentar
aprender a nadar somente através da leitura”.
Tanto Kodály como Orff tiveram contato e foram influenciados diretamente
pelas idéias de Dalcroze.
KODÁLY e o folclore húngaro
Em 1905 Kodály iniciou suas pesquisas sobre o folclore húngaro, com o apoio e
incentivo do folclorista Béla Vikár. Mais tarde realizou junto com Béla Bartók
várias viagens ao interior do país para registrar as músicas folclóricas em seu
estado puro, original, conforme cantadas pelos camponeses.
Estas viagens não só levaram à descoberta da canção folclórica genuína da
Hungria, mas também geraram o aperfeiçoamento de métodos sofisticados,
acadêmicos, detalhados e científicos para gravar, editar e classificar estas
canções de acordo com suas características próprias. Uma curiosidade: Vikár foi
o primeiro pesquisador em todo o mundo a utilizar em seus trabalhos o fonógrafo
de Edison, registrando as canções em cilindros de cera.
Uma consequência natural da pesquisa de Bartók e Kodály foi o desenvolvimento
da música nacional baseada no folclore e, principalmente, um sistema de educação
musical que utiliza música folclórica como base, e que na realidade transformou
a vida musical e cultural da Hungria.
Kodály achava que a música tinha que ser para todos; por isso, dedicou-se com
determinação a tornar a música uma linguagem compreensível para todo húngaro,
tornando a música parte integrante da educação geral.
“A música é uma manifestação do espírito humano, similar à língua falada. Os
seus praticantes deram à humanidade coisas impossíveis de dizer em outra língua.
Se não quisermos que isso permaneça um tesouro morto, devemos fazer o possível
para que a maioria dos povos compreenda esse idioma.” Zoltán Kodály (Conferência
sobre O Papel da Música na Educação, Universidade da California, 1966
)
Kodály acreditava que a música se destinava a desenvolver o intelecto, as
emoções, e toda a personalidade do homem. Não podia ser um brinquedo, um luxo
para uns poucos escolhidos: música é um alimento espiritual para todos - por
isso ele estudou uma forma de fazer com que todos pudessem ter acesso à boa
música, e levou esta idéia à frente como uma verdadeira missão.
Como ele queria se comunicar com as grandes massas, sempre insistiu na
tonalidade, harmonias consonantes, e em ser facilmente compreendido. Não aderiu
às correntes como duodecafonismo nem às técnicas eletrônicas de composição. Ele
buscava o novo dentro do simples, não na complexidade.
Ele sustentava que na música, assim como na linguagem e na literatura, um
país deve começar com a língua musical nativa (“musical mother tongue”), que
para ele era a cancão folclórica, e através dela ir expandindo até alcançar a
compreensão da literatura musical universal.
Considerava o canto como fundamento da cultura musical: para ele, a voz é o
modo mais imediato e pessoal de nos expressarmos em música. Mesmo o
acompanhamento harmônico é feito por vozes, pois o método enfatiza o canto
coral. O canto não é apenas um meio de expressão musical, mas ele ajuda no
desenvolvimento emocional e intelectual também. Para ele, quem canta com
frequência obtém uma profunda experiência de felicidade na música. Através das
nossas próprias atividades musicais, aprendemos conceitos como pulsação, ritmo e
forma da melodia. O prazer desfrutado encoraja o estudo de instrumentos e a
audição de outras peças musicais. Ele não era contra o aprendizado de um
instrumento, e não achava que o canto devia suplantar a instrução instrumental:
o que ele insistia é que o canto deveria preceder e acompanhar o
instrumento.
“Temos que educar músicos antes de formar instrumentistas. Uma criança só
deve ganhar um instrumento depois que ela já sabe cantar. Seu ouvido vai-se
desenvolver somente se suas primeiras noções de som são formadas a partir de seu
próprio canto, e não conectadas com qualquer outro estímulo externo visual ou
motor. A habilidade de compreender música vem através da alfabetização musical
transferida para a faculdade de ouvir internamente. E a maneira mais efetiva de
se fazer isto é atraves do canto”.
Embora não tenha escrito nenhuma teoria educacional sistematizada, nenhum
“método Kodály”, ele tinha uma concepção pedagógica bem clara, e produziu
material (coletou e sistematizou canções folclóricas, criando também arranjos a
duas e três vozes) para implementá-la. Uma premissa fundamental de Kodály é que
a música e o canto deviam ser ensinados de forma a proporcionar experiências
prazerosas, e não como um exercício rotineiro e maçante. Portanto, o material
para estudo musical deve ser compreensível e ter qualidade artística.
Kodály concluiu, a partir de extensa pesquisa, que as crianças não conseguem
ouvir nem reproduzir os semitons; portanto, o sistema pentatônico é o ideal para
aprender a cantar afinado, por causa da ausência dos semitons. Depois de bem
familiarizados com a escala pentatônica , os alunos podem facilmente compreender
a inclusão dos semitons e então reproduzi-los.
O solfejo é sempre relativo: Kodály utilisa o Dó móvel, com as mesmas sílabas
do monge Guido d’Arezzo (séc. 11). Cada nota, em relação à melodia como um todo,
tem um papel (função) diferente do que se fosse uma nota sozinha, separada do
contexto. Assim, o solfejo baseado na tônica já introduz, desde cedo, o conceito
de função harmônica - ainda que isto não seja necessariamente explicitado numa
primeira fase. A associação de gestos manuais com a altura das notas
(manusolfa), ligando um som a um movimento corporal, é um possível sinal da
influência de Dalcroze.
Kodály utiliza também o sistema de leitura/escrita de John Curwen
(1816-1880), que dispensa o pentagrama e usa as letras iniciais (d, r, m etc)
combinadas com o valor rítmico das notas.
ORFF e o Schulwerk
Nascido em 1895 em Munique, Carl Orff começou a estudar piano aos cinco anos,
sob orientação de sua mãe. Na escola, interessou-se vivamente pelas línguas
clássicas, poesia e literatura. O seu treinamento musical formal foi feito na
Akademie der Tonkunst em Munique.
Em 1923 conheceu Dorothee Gunther, e das conversas com ela surgiu a idéia de
fundarem uma escola onde se treinasse a música elemental - música que não é
abstrata, mas uma integração dos elementos da linguagem falada, ritmo,
movimento, canção e dança. No centro de tudo está a improvisação - o instinto
que as crianças têm de criar suas próprias melodias, de explorar sua imaginação.
É uma música em que todos são participantes, e não apenas ouvintes. A
Guntherschule foi inaugurada em 1924 em Munique.
O trabalho de Orff é baseado em atividades lúdicas infantis: cantar, dizer
rimas, bater palmas, dançar e percutir em qualquer objeto que esteja à mão.
Estes instintos são direcionados para o aprendizado, fazendo música e somente
depois partindo para ler e escrever, da mesma forma como aprendemos nossa
linguagem. Orff busca “desintelectualizar e destecnizar o ensino da música,
acreditando que a compreensão deve vir depois da experiência - esta sim, a base
do processo”.
Os poemas, rimas, provérbios, jogos, ostinatos, canções e danças usados como
exemplos e como material básico podem ser tradicionais, folclóricos ou
composições originais. Falado ou cantado, o material pode ser acompanhado por
palmas, batidas com os pés, baquetas e sinos. Existem também os instrumentos
especiais para o método, que são xilofones de madeira e glockenspiels que
oferecem como atrativo a facilidade de se controlar as notas disponíveis (é só
remover uma ou mais placas) e também a produção imediata do som.
A experiência melódica parte da terça menor para a pentatônica, passando
depois à hexafônica com a inclusão do quarto grau, e somente então trabalhando a
sensível.
Destina-se a todas as crianças, não buscando os talentos privilegiados. Há um
lugar para cada criança, e cada um contribui de acordo com sua habilidade.
Muitos de seus alunos não tinham qualquer conhecimento musical prévio - por isso
ele enfatisava o uso de sons e gestos corporais para expressar o ritmo, e a voz
como primeiro e mais natural dos instrumentos. Importantes também eram os
tambores, em toda a sua vasta gama de tamanhos, formas e sons. Ele também
utilizava o ostinato (padrão rítmico, falado ou cantado, que se repete) como
elemento que dava forma às improvisações.
As aulas têm um ambiente não-competitivo, onde uma das maiores recompensas é
o prazer de fazer boa música com os colegas. Sómente quando as crianças sentem
vontade de anotar o que elas inventaram é que se introduz a escrita e a
leitura.
A improvisação é introduzida logo nos primeiros estágios, de forma orientada
e controlada - os meios são limitados, e os alunos manejam criativamente, dentro
de diversas propostas, elementos que já foram trabalhados. A criação representa
uma experiência musical prazerosa que deverá continuar por toda a vida. A
aprendizagem só faz sentido se trouxer satisfação para o aprendiz, e a
satisfação vem da habilidade de usar o conhecimento adquirido para criar. Tanto
para o aluno como para o professor, a metodologia Orff é um tema com infinitas
variações.
O título "Schulwerk" indica claramente a natureza do processo educacional
Orff: é o aprendizado através do trabalho, ou seja, através da atividade e da
criação.
O Orff Schulwerk se baseia na música tradicional e folclórica alemã, mas seus
conceitos devem ser adaptados à realidade musical de cada país onde é utilizado.
Trechos do Trabalho Dalcroze, Orff, Kodály, Suzuki. Semelhanças, diferenças, especificidades - Diana Goulart Fonte: http://www.dianagoulart.com/Canto_Popular/Educadores.html