domingo, 20 de maio de 2012

UM PASSEIO ENTRE PIANO ERUDITO E POPULAR


Por Felipe Candido
Foto: Joaquim Nabuco


Maíra Freitas nasceu rodeada de música, em uma casa onde todo mundo é bamba, tendo por mestre seu pai, Martinho da Vila. Porém, desde cedo começou a trilhar sua trajetória por outros caminhos; e o piano foi o ponto de partida. Foi dessa maneira que a música erudita entrou em sua história, e Maíra decidiu se aprofundar nesse universo, buscando uma formação específica, nos estudos em conservatório até chegar à Universidade. Ela desenvolveu uma promissora carreira como concertista erudita, apresentando-se em diversos países. No entanto, a música popular nunca se separou dela. Passou a incluir choros nos seus recitais. Até que um dia, Martinho da Vila a ouviu em uma apresentação e a convidou para participar de seu CD, Porta da Cidade (Biscoito Fino), em homenagem a Noel Rosa, em 2010. Agora, Maíra lança seu primeiro álbum, homônimo, também pela Bicoito Fino, com repertório focado em canções populares.
É possível conciliar o erudito com o popular? Você acredita que haja uma fronteira entre essas duas manifestações musicais?


Maíra Freitas. Acho possível conciliar. Pra mim é difícil definir a fronteira de onde acaba o erudito e começa o popular. A música sempre foi uma mistura de tudo, o que acontece é que ainda tem quem goste de rotulá-la e dividi-la em grupos. Posso muito bem tocar Bach, Chopin e Tom Jobim; passar pelo choro; tocar um samba e fechar com um baião. Villa-Lobos vivia nas rodas de choro. Tom Jobim foi um grande orquestrador. O impressionismo está na Bossa Nova. [Béla] Bartok se inspirou nas canções búlgaras. Muitos compositores antigos buscaram suas fontes na música popular e vice-versa. Tudo está misturado, ainda mais no Brasil. Pra que rotular? Sou uma mistura de raças, cores, gostos, credos, tudo. Dividir a música seria como dividir eu mesma em duas partes. Sou o resultado de tudo o que já ouvi e minha música também. Se é bonito eu toco, não importa de onde veio. Desenvolvi a minha técnica justamente para poder me aventurar por vários estilos, sem medo.
Qual a influência que a música popular tem em seu trabalho erudito? E o inverso?


Maíra Freitas. É difícil medir com precisão essa relação. Nasci rodeada de música, ela é parte da minha vida, parte de mim. Minha experiência com a música erudita influenciou minhas escolhas no popular e vice-versa. Acredito que são apenas abordagens diferentes, mas estamos falando de música, acima de tudo. Acho que o meu disco reflete bem esses meus dois lados: é um disco bem popular, mas o meu piano imprime essa grande influência erudita.
Como foi o processo de gravação do CD?


Maíra Freitas. Foi muito divertido. Adorei gravar, fiquei muito a vontade no estúdio da Biscoito Fino, estava em ótimas mãos. Gostei tanto que quando acabou, deu vontade de fazer outro (risos). Gravamos durante um mês, o processo foi bem rápido, e fizemos a maioria das músicas ao vivo, com os músicos tocando junto comigo e a voz valendo. Refizemos poucas coisas. A Mart'nalia foi fundamental no processo. Fomos escolhendo as músicas, mas acabamos gravando duas que não estavam programadas. Trabalhei com alguns músicos amigos meus e a Martnalia escolheu outros. Trabalhamos com 3 arranjadores: Rildo Hora, Cristovão Bastos e Artur Maia. Os outros arranjos eu mesma fiz. Foi como estar em casa, em família. Amigos músicos, pessoas que admiro, família cantando junta, até meu namorado entrou na historia. Tive a honra de gravar com Wilson das Neves que, quando eu era bem pequena, me deu um metrônomo e falou: "aprende a tocar logo pra tocar comigo". Tocamos e foi bem bacana.
Quais são os convidados do disco?


Maíra Freitas. Tem a participação da Joyce na música "Monsieur Binot", que fizemos só voz e violão. Tem a participação do meu pai em "Disritmia" (piano e voz) e do meu amigo Qinho em "As Voltas", cantando e tocando guitarra.

O INÍCIO


Você estuda piano desde os 7 anos de idade. Por que este instrumento?

Maíra Freitas. Difícil dizer. Sempre gostei de tocar piano, não tenho memória do tempo em que eu não tocava. Pra mim, é como se eu sempre tivesse tocado piano. Na verdade, não sei como o descobri, só sei que sou apaixonada pelo meu instrumento. Minha mãe conta que pedi ainda pequena pra ter aulas de piano, mas realmente não me lembro disso.

Quando começou a cantar?



Maíra Freitas. É engraçado, porque eu sempre cantei. Desde pequena, como quase todas as pessoas, gosto muito de cantar, me faz bem, me sinto feliz. Mas nunca tinha me imaginado cantora. Estudei solfejo, cantei em diversos corais e também regi coros infantis. O canto também faz parte do meu estudo de piano, gosto de cantar as passagens complicadas ou as vozes em uma fuga de Bach. Sempre cantei em festas com os amigos, até que um dia meu pai me ouviu cantar num recital e me convidou para gravar uma faixa como cantora em um disco seu.

Como foi a experiência de ter participado no CD Poeta da Cidade?

Maíra Freitas. Foi uma ótima experiência, muito bonita e divertida. Nunca tinha cantado, muito menos com meu pai. A música "Último Desejo" foi um presente, é linda e tentei colocar um pouco da minha alma ali. Gravamos tudo ao vivo e trabalhar com o Rildo Hora foi muito bacana.


A MÚSICA

Qual foi seu primeiro contato com a música erudita?


Maíra Freitas. Sempre fiz aulas de piano. Trilhei o caminho tradicional de estudo, começando com aulas particulares na escola perto da minha casa, depois passando para o Conservatório e para a Universidade. Formalmente, a música clássica sempre esteve presente nos meus estudos e tive professores que priorizavam esse aprendizado. Sempre gostei de estudar e minha mãe conta que, quando estava grávida de mim, costumava colocar muita clássica - ela dizia que me acalmava. Até a adolescência, eu só dormia ouvindo musica clássica. Também sempre frequentei concertos e óperas.
Quais os desafios de mudar o foco do trabalho, sair da música erudita e ir para popular?

Maíra Freitas. Foi bem interessante. Na verdade essa mudança foi rápida mas, ao mesmo tempo, bem gradual. Comecei colocando uns choros no meu repertório de recital e fui, aos poucos, fazendo uns arranjos, tocando mais. Quando dei por mim, já estava envolvida com esse processo. Está sendo uma viagem interessante, pois sempre gostei de boa música, independentemente do gênero, se é erudita ou popular.
Quais são suas influências e referências musicais?


Maíra Freitas. Aprendi muita coisa na música erudita. Entendi os diversos períodos e fases da música europeia ocidental e, principalmente, desenvolvi minha técnica como pianista passando por vários compositores. Ouvi muita coisa do canto gregoriano, até a música contemporânea de concerto. Aprendi muito com Beethoven, mas também com Chico Buarque, Cartola, Caetano, Luis Gonzaga, Miles Davis, Duke Ellington, Stevie Wonder, Michael Jackson. Estou sempre ouvindo e pesquisando música. Gosto de ouvir de tudo sem preconceito. Assim vou criando o meu próprio gosto.
Existem diferenças entre a Maíra pianista e a Maíra cantora?


Maíra Freitas. Durante muito tempo a pianista foi o centro da minha vida: agora, estou descobrindo a cantora. Na performance, quando canto e toco ao mesmo tempo, busco dar ênfase à cantora. Gosto de pensar que a pianista está ali somente para acompanhar, a pianista está deixando de ser solista.
Durante muito tempo a pianista foi o centro da minha vida: agora, estou descobrindo a cantora. Na performance, quando canto e toco ao mesmo tempo, busco dar ênfase à cantora. Gosto de pensar que a pianista está ali somente para acompanhar, a pianista está deixando de ser solista.

Como você acredita que pode ser recepção desse novo trabalho, mais pautado no cancioneiro popular, pelas pessoas que acompanhavam seu trabalho como concertista?


Maíra Freitas. Espero que as pessoas gostem. Fiz o disco de coração, minha alma está ali e ele reflete bem a minha personalidade e o que estou passando no momento. É um disco aberto a todos os públicos, independente de idade, gosto ou classe social. Quem gostar de boa música e puder ouvir com cuidado, vai gostar.

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