sábado, 16 de junho de 2012

SINDROME DE PALCO


Um programa para reeducar os músicos


Chegou o dia do recital. O músico prepara-se para exibir uma performance impecável. O melhor da sua forma, depois de dias e dias de ensaio, às vezes até poucas horas antes da apresentação. É quando - não raro - se instala a chamada Síndrome de Palco e mãos suadas e trêmulas, pulsação alterada e respiração ofegante podem colocar por terra dedicação e expectativas. Podem abalar até a reputação do artista. Os movimentos estudados e repetidos, em nome da técnica, da estética e da interpretação, simplesmente travam.
Na última semana o médico e violonista, Djalma Marques, esteve em Pelotas. Em palestras, oficinas e consultas, como faz em vários países do mundo, o pernambucano procurou disseminar o ensinamento que não vale apenas para os profissionais das artes: é preciso controlar a tensão muscular diária e executar mesmo tarefas simples, como atender o telefone, dirigir e escrever com menos contração. O resultado? Muitos casos de Lesões por Esforço Repetitivo (LER), ou melhor, de Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (Dort) serão evitados.
É hora então de voltar ao palco. Afinal, Djalma Marques é especialista em Medicina da Arte, área a que os brasileiros ainda não se atentaram. Se estiver relaxado - alerta o doutor - o instrumentista obterá justamente os efeitos positivos que busca: sonoridade de melhor qualidade e ganho em velocidade, quando a peça interpretada pede dinamismo. O ideal para barrar a Síndrome de Palco, garante Marques, seria vivenciar o clima do show, antes de estar diante da platéia. Ir até o local do recital, no horário marcado, com a roupa que irá vestir e tocar ao menos parte do repertório, é uma boa estratégia. “Evita o choque, o estranhamento.”
Se a rotina - que muitas vezes inclui outra carreira em paralelo à vida de músico - não permite a simulação, não existe problema algum. Voltar as atenções ao espetáculo, quase na hora de subir ao palco, meio de supetão, pode ser bom. O dia da apresentação não foi mesmo feito a ensaios. “Se a música ainda requer estudo, é sinal de que não está pronta para ser apresentada”, enfatiza o médico-instrumentista. É bom ficar de fora do set-list, em favor do equilíbrio emocional do artista. É todo um processo, que começa bem antes de o recital estar agendado.

Sem prazer, é melhor parar

“Se não é gostoso, pare”, sintetiza Djalma Marques, ao bater um papo descontraído com o Diário Popular, no Conservatório de Música da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde ocorreu o curso. “A música é como uma brincadeira, tem que ser um processo lúdico, de desfrute, como a vida.”
Claro que, além de talento, requer dedicação e disciplina. E isso é bom. Não deve, no entanto, se transformar em alimento para culpas e sofrimentos, inclusive físicos, devido às más posturas ou aos excessos em longas sessões de estudo. Para praticar, não é necessário estar com o instrumento em mãos - defende. O músico é um ser mental. Portanto, basta voltar o raciocínio a escalas, movimentos, passagens e interpretações e estará se aprimorando. “O instrumento é uma extensão do nosso corpo, não é uma expressão dissociada.”
A trajetória do especialista

O pernambucano de 56 anos nasceu em Afogados da Ingazeira, interior do Estado. Como médico, primeiro atuou como gastro, até que o Djalma Marques, versão violonista, precisou de tratamento. Foi quando o Marques - médico - parou e atentou-se para falta de conhecimento brasileiro no setor da Medicina da Arte. Partiu então ao doutorado em Barcelona, na Espanha, referência mundial no assunto.
Ao longo de quatro anos acompanhou 40 violonistas, que chegaram a ganhar o apelido de “homens de borracha”, ao colocarem em prática a tese de tensão mínima. O médico-compositor, autor de quatro CDs de violão clássico, tornava-se o criador do Programa de Reeducação Psicomotora para Músicos. O PRPM foi inclusive aplicado com menores de 11 a 15 anos de idade, internos de um presídio na Ucrânia e considerados de alta periculosidade, e já deu resultados: os adolescentes estão mais calmos.
“Não há nada de altas tecnologias no meu trabalho, muito do que coloco em prática, observei no movimento das crianças e dos gatos”, descontrai. “As coisas são simples, o homem é que se isolou da natureza”, ensina o doutor. “É preciso aprender com o universo.”

O caminho é a prevenção

 Em busca da tensão diária mínima, a respiração é essencial. Quanto mais oxigênio, menos oxidação celular.
 1)A alimentação também entra na lista de orientações que o violonista repassa aos instrumentistas mundo afora. O leite, não absorvido pelo organismo, pode levar à formação de artrites e artroses, que travam as articulações. “O homem é o único animal adulto a beber leite e, ainda por cima, de outra espécie”, enfatiza. “O leite que consumimos é incompatível com o organismo humano, pois é produzido para o desenvolvimento de um boi, por isso não há como ser totalmente absorvido.” Livre do consumo de todas as carnes, Djalma Marques diz que busca suprir a proteína e o cálcio (do leite) ao ingerir vegetais, assim como fazem os cavalos - compara. O café também está na lista das bebidas que deveriam sair do cardápio dos músicos, ao menos no dia dos espetáculos. Como excitante, promove estímulos nervosos. “E, na hora da execução, é preciso estar atento, mas relaxado para dar o bote certo.”
 2)Os problemas que mais acometem os músicos são a tendinite, a tenossinovite e a distonia focal (que é uma incoordenação motora involuntária, de tratamento complicado). O alongamento é uma boa ferramenta preventiva, mas não é preciso esperar um momento formal para fazê-lo. Até durante o trabalho - em rápidas paradas - ou na fila do banco, por exemplo, é possível se esticar um pouquinho. No máximo, você receberá olhares desconfiados.
3) O segredo é manter a mente sobre controle. Em geral, as tensões que enrijecem pescoço, ombros e geram dores na coluna têm origem na mente. O contrário também pode ocorrer. Uma pessoa que está com dor de dente, por exemplo, deverá ter alterações de humor. Mas o caminho mais comum são as tensões partirem da mente.
4) Soltar as articulações também faz parte desse conjunto de medidas a serem adotadas no dia-a-dia e não apenas quando um compromisso exige que o profissional esteja relaxado.
- O especialista ainda indica que os instrumentistas fortaleçam a musculatura. Sessões diárias de levantamento de peso, por meia-hora, em casa mesmo, pode dar resultado. “É importante que os membros estejam soltos, mas com que tenham força, para o instrumentista tocar com garra.”

Funcionamento integrado

A fisioterapeuta Cristina Rocha de Barcellos tem se dedicado a estudar a distonia focal, para a qual não há explicações fechadas. No Brasil, não existem sequer dados de incidência e prevalência. “Pela bibliografia, o que se sabe é que em geral a patologia se manifesta quando o instrumentista está no ápice da execução.” Envergonhados e com pouca informação da distonia, a maioria dos músicos confunde os sinais com estresse, cansaço e contratura muscular. Um dedo, a mão ou o membro simplesmente não obedecem o comando que sempre foi dado e respeitado. Movimentos involuntários incoordenados prevalecem e o artista perde o controle.
O cérebro, no entanto, é muito perfeito. Bastará o instrumentista descobrir um novo reposicionamento das mãos - com o menor prejuízo possível à execução - e uma outra via de condução nervosa será adotada. É a plasticidade cerebral, que permitirá que outras zonas íntegras, no entorno da lesão, sejam acionadas. É um processo longo e complicado. É como começar do zero, depois de já ter atingido um patamar respeitável.
“E é um trabalho individual, que dependerá da morfologia de cada um.” Movimentos de soltura, com o balanceio dos braços em todas as amplitudes, ajudarão a evitar problemas mais comuns como as tendinites - lembra a adepta dos ensinamentos de Djalma Marques.
Trazer o violão para mais perto do corpo também é uma boa dica, para o relaxamento dos membros. Trabalhar com o punho reto - num ângulo que não comprima o nervo mediano - pode prevenir a chamada síndrome do túnel do carpo. Em breve, uma nova atividade será realizada no Conservatório de Música para que, em parceria com o violonista Daniel Medeiros, a fisioterapeuta possa trocar experiências, repassar informações e tirar dúvidas de outros instrumentistas. “Me preocupo principalmente com este pessoal que toca em casa, sem orientação”, afirma. Estudar violão está inclusive nos planos de Cristina, para entender com mais facilidade os mecanismos de proteção a serem ensinados aos pacientes. A primeira lição está dada: o corpo deve ser visto como algo integrado. Não são membros e órgãos separados e independentes.

(Fonte:  Michele Ferreira http://srv-net.diariopopular.com.br/10_09_08/vivabemcentral.html)

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