quinta-feira, 5 de abril de 2012

ALUNO CEGO EM AULAS DE MÚSiCA



A inclusão do aluno cego em aulas de música: relatos e observações.

Rafael Moreira Vanazzi de Souza-UEMrafaelvanazzi@hotmail.com
Raphael Ota-UEMraphael_ota_@hotmail.com

Resumo

Por meio de partituras musicais em braille a pessoa cega consegue ler e escrever todos os elementos da grafia musical em tinta. No entanto, devido ao seu pouco conhecimento por parte de educadores musicais, mesmo no meio acadêmico, a inclusão da pessoa cega nas aulas de música não ocorre de forma efetiva seja em um curso técnico de conservatório ou no ensino superior. Recentemente, profissionais da educação musical vêm se interessando pelo assunto e se especializando para atender essa crescente demanda de alunos. Nesse sentido, este artigo tem por objetivo levantar questões sobre a inclusão dos alunos cegos na aula de música, apontando as dificuldades encontradas pelos mesmos para se preparar e realizar a prova de aptidão musical em braille no vestibular. O trabalho também traz um relato sobre o projeto de extensão de educação inclusiva do Departamento de Música da Universidade Estadual de Maringá, a fim de exemplificar uma tentativa de inclusão do aluno cego no ensino superior de música.

Palavras chave: musicografia braille; inclusão social; deficiência visual.


Considerações finais

Outras universidades também já se empenharam nesse processo de inclusão.
Como iniciativa inclusiva, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte previa para
o primeiro semestre de 2009 a “criação da primeira turma de musicografia braille na
Escola de Música” (OLIVEIRA, D. 2008, p.4) dessa universidade. Outro exemplo: em
2010 a Universidade Estadual de Campinas aprovou o doutorado da pesquisadora
Fabiana Bonilha, que também cursou nessa mesma universidade a graduação em piano e o mestrado, sendo esta aluna cega congênita.
Observamos que a inclusão do aluno com deficiência visual é um processo que
podemos, grosso modo, considerá-los em duas etapas: a inclusão sendo implantada e a inclusão efetivamente estabelecida.
Com isso, constatamos que a educação musical inclusiva plenamente estabelecida em uma instituição não é de fato uma realidade brasileira, mas sim um objetivo possível de ser alcançado. Nesse sentido, todo material relacionado a esse campo da inclusão, em suas várias possibilidades, se mostram importantes, pois incentivam o desenvolvimento das esparsas iniciativas nesse campo e no surgimento de
novas.
Observamos neste artigo pontos relevantes apontando para a realização do
processo dessa inclusão em particular na graduação ou cursos de música, que seriam:
necessidade de materiais didático-musicais para a musicalização, baseados na grafia
musical em braille; cursos para professores de música, habilitado-os a darem aulas para pessoas com deficiência visual usando partituras em braille; cursos para formar
transcritores de partituras em tinta para o braille; escolas, conservatórios e faculdades deveriam buscar serviço de apoio especializado para a transcrição de provas, partituras e adaptações de cursos para a inclusão de alunos cegos; cursos pré-vestibulares para pessoas com deficiência visual (cegas e baixa visão); matérias específicas sobre o assunto nos cursos de graduação e pós, especialmente nas licenciaturas.
Com esse artigo pretendemos ampliar as questões e discussões sobre o campo,
contribuindo de algum modo para as iniciativas já existentes e futuras. Dessa forma
colaborando para que a musicografia braille seja mais conhecida, assim tornando a
inclusão de alunos com deficiência visual uma ação mais eficiente e duradoura do que a encontramos atualmente.

Fabiana Bonilha recebe o título de mestre em Música



[31/1/2006] [1/2/2006] Não havia como não se emocionar. A apresentação da dissertação de mestrado da deficiente visual congênita Fabiana Fator Gouvêa Bonilha, com o título "Leitura musical na ponta dos dedos: caminhos e desafios do ensino da musicografia braille na perspectiva de alunos e professores", orientada pelo professor Claudiney Carrasco, foi a prova de que a inclusão não é apenas assunto teórico na Universidade. Fabiana foi aprovada pela banca examinadora composta pelos professores Ricardo Goldenberg, do Instituto de Artes e Maria Tereza Eglér Mantoan, da Faculdade de Educação. Com isso, conquistou algo que pouquíssimas pessoas na sua condição conseguem: o título de mestre em Música.
Parentes, amigos e incentivadores de seu trabalho quase lotaram o auditório da Biblioteca do Instituto de Artes na terça-feira. Como ocorre em todos os trabalhos acadêmicos, Fabiana foi argüida pela banca. Só que desta vez foi diferente, pois precisou contar com o auxílio de uma máquina de transcrição em Braille para conseguir acompanhar o raciocínio dos questionadores. Ao final, Fabiana agradeceu a colaboração de todos que fizeram parte de sua história. Aliás, a própria dissertação da pesquisadora trata de sua jornada para aprender a leitura musical.
Trajetória – Ao dedilhar as teclas do piano Fabiana Bonilha sente emoção. Emoção de um mundo colorido que nunca pôde enxergar, mas nem por isso, deixou de viver com intensidade cada momento. Fabiana é cega congênita. Quem conhece a garota meiga em seus 27 anos, certamente, define sua trajetória com uma só palavra: Perseverança. Nunca desistiu de lutar pelos seus sonhos. E, mais, sempre procurou abrir caminhos para que outros, pelo seu exemplo, possam vencer as barreiras. E, com isso, conseguiu algo que pouquíssimas pessoas nas suas condições alcançam: o título de mestre.
Bacharel em Música pela Unicamp e psicóloga formada pela Puc-Campinas, Fabiana se mostra incansável quando o assunto é estudo. Tanto que já tem uma vaga garantida no curso de doutorado, também em Música. "Até aqui consegui vencer os desafios. Só agente sabe a dimensão das barreiras e o valor daquilo que se conseguiu superar", declara a futura mestre. Não é para menos, Fabiana é de uma época em que o acesso a material em Braille era quase impossível. Situação que melhorou bastante com o advento da Internet e os programas de voz disponíveis. Mesmo em meio a tantas dificuldades, a mãe, Vera Bonilha, sempre fez questão que ela estudasse em classes regulares. Mais do que uma mãe dedicada, Vera foi além. Nunca permitiu que a deficiência de sua filha limitasse as oportunidades em sua vida.

No Ensino Fundamental e Médio, de posse da bibliografia, a mãe passava dias inteiros transcrevendo os livros didáticos para o Braille. "Às vezes começava no final do ano e quando iniciava as aulas já tinha 50% do material concluído", lembra. "Tudo que fizemos pela nossa filha, não foi feito porque é deficiente, mas sim por que é um ser humano", destaca Vera, que acredita que o fato de Fabiana dispensar as classes destinadas a deficientes foi um ganho para todo mundo – alunos e professores.
"Muita gente se beneficiou. Em todos os lugares por onde Fabiana passou muitos vieram atrás", declara o pai Luciano Bonilha. Ele revela que a filha sempre venceu as barreiras e, por isso, abriu portas para que outros se sentissem desafiados. Com as aulas de piano foi assim. Na Puc-Campinas e também na Unicamp o fato de tornar viável o acesso de deficientes, possibilitou oportunidades para os próximos da lista. Como ocorreu com o Laboratório de Acessibilidade da Biblioteca Central da Unicamp, onde foi uma das primeiras usuárias.
Paixão – Fabiana mal consegue esconder a sua paixão pela música. Incentivada pelos pais, iniciou seus primeiros passos tocando piano. Tinha apenas sete anos, quando Vera, lançou o desafio à professora Lílian Monteiro Gazone. Foi o estímulo necessário para que nunca mais abandonasse as teclas do instrumento. Mesmo encontrando muitas dificuldades, a professora não mediu esforços para ensinar Fabiana. "Ela costumava decorar as notas musicais, mas não era o ideal. Era necessário que conseguisse ler as partituras. Naquela época, porém, o acesso era ainda mais difícil. Com a ajuda de amigos conseguiram algumas partituras no exterior", lembra a mãe.
Lílian fez extensa pesquisa sobre as partituras em Braille que não eram muitas. "Fui para São Paulo na única instituição que possuía material, na Fundação para o Livro do Cego. O pessoal me ensinou como manejar o material quase que artesanal", lembra a professora. As primeiras notas, Lílian desenhava em cartolina e depois com agulha de costura fazia os pontos para que, pelo tato, Fabiana pudesse ter acesso ao material. Além de todo trabalho neste sentido, a professora precisou ensinar teoria musical em um ano, quando o convencional é concluir todo conteúdo em três anos.
Se o início foi árduo, as conquistas pela persistência foram cobertas de satisfação. Fabiana participou de inúmeros recitais e concursos, sempre com boa performance. Na sala de sua residência, ao lado do piano que a acompanha desde os sete anos, a pianista acumula seus troféus e medalhas. Sem contar as homenagens e o prazer de realizar um concerto com a Orquestra Sinfônica de Campinas, regida na época pelo maestro Benito Juarez.

Mestrado – Ao mesmo tempo em que acumula mais uma conquista, Fabiana também espera, com seu trabalho, fornecer um panorama completo da musicografia em Braille no âmbito nacional. "Tinha uma percepção de que o acesso aos deficientes visuais era extremamente restrito e, constatei que o problema é ainda mais grave do que imaginava", explica. Segundo a pesquisadora, existem pessoas que sequer tem a chance de conhecer ou saber que o código Braille existe, pois a escrita musical é diferente do que a escrita convencional em Braille. Mesmo a produção de partituras é deficiente. "As partituras são difíceis e não há cursos disponíveis. A carência é muito grande. Os livros didáticos são escritos por pessoas que enxergam e transcritos em Braille e, portanto, de difícil compreensão uma vez que o Braille utiliza outra linguagem", esclarece.
Os softwares existentes também são outra barreira a ser vencida pelos deficientes visuais. "Precisam ser otimizados para sua utilização mais eficiente", destaca. Fabiana explica ainda que as informações sobre o assunto existiam, mas não estavam organizadas de maneira acessível. Por isso, além do levantamento das informações, ela também colheu depoimentos de professores de música e aprendizes, cerca de 15 pessoas. "Pela própria condição, o público acaba sendo um grupo limitado", argumenta. Lílian, sua primeira professora de piano, foi uma das que prestaram importante contribuição ao trabalho.
O mais gratificante para Fabiana foi conseguir construir um cenário e identificar as possibilidades e recursos para que o deficiente visual vença as barreiras. No doutorado, o trabalho deve seguir na mesma linha, só que desta vez, a pesquisadora irá a campo. Ela quer colocar propostas de acesso ao material para os deficientes. "Quero seguir carreira acadêmica e, futuramente, formar um grupo para pesquisa e produção de partituras em Braille", declara animada.
(Raquel do Carmo Santos)
Fotos: Neldo Cantanti
Edição de imagens: Luis Paulo Silva

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